Outras vidas vieram habitar àquela casa. Vidas mais felizes. Portas eram abertas. A rua, com o tempo, é que começou a deixar de ser lar. As árvores que a menina subia, caíram e deram lugar a muros altos, muito altos. Não se queria mais ser com o outro, salvo alguns que teimavam e não temiam o encontro.
A atual moradora da antiga casa era uma dessas pessoas destemidas. Deixava a porta aberta. Esperava sempre com um sorriso, o encontro. Era rezadeira. Diziam que com sua reza, não curava somente o corpo, curava a alma.
A menina sempre a via de longe, pois com o tempo, ela, a menina, passou a esquivar-se da calçada da casa. As lembranças ainda doíam em algum lugar d’alma. Não sabia, a menina, que sua história com aquela casa não se tinha terminado.
E nessas voltas que a vida dá, a menina, como na canção que cantava, deu meia volta, volta e meia deu e, deparou-se com a ironia, de que naquela casa se encontrava a cura para sua filha, para sua vida.
Precisou levar sua filha para uma reza, e a única rezadeira pelas redondezas, era a atual moradora da antiga casa. Foi aí, sem perceber, que a menina começou a curar sua alma.
Ao chegar à casa, parecia que já era esperada. Para seu espanto, foi convidada a entrar até o quintal, pois segundo a rezadeira, era o lugar ideal para a reza. E pela primeira vez na vida, a menina, levada pela mão, atravessou àquela porta, que durante anos permaneceu fechada para ela. Ao atravessar, sentiu toda a sua vida lhe atravessando a alma. A frase que escutou durante tanto tempo, se quebrava diante de seus olhos e, ao caminhar até o quintal, ia pisando e destruindo uma por uma, as letras que construíram aquela verdade inventada.
Agora, sentada, abraçada a sua filha, escuta a reza. Tendo a certeza que entre uma ‘Ave Maria’ e um ‘Pai Nosso’ não se vão somente as dores de sua filha, vão-se as dores de sua alma. A rezadeira, num gesto de cumplicidade, a olha profundo nos olhos e segura a sua mão.
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